Capítulo Amostra: A Consciência e o Divino: Deuses Gregos, Yoga e Iluminação
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Capítulo Amostra: A Consciência e o Divino: Deuses Gregos, Yoga e Iluminação
Onde nos encontramos nesta jornada: Nos capítulos anteriores, discutimos como praticar o Yoga e no capítulo anterior a este apresentamos Carl Jung e a Yoga, no qual exploramos conceitos como ego, sombra e simbolismo. Para informações complementares sobre esse tema, considere a leitura de "Jung on Yoga" (Jung sobre o Yoga), de Dario Nardi.
O presente capítulo aprofunda nossa exploração de Jung e do Yoga, adentrando os domínios da consciência e do divino. Ele é o primeiro de uma série de capítulos que nos mostrarão para onde o Yoga pode nos conduzir.
Já os próximos capítulos explorarão o divino dentro de nós como consciência pura, culminando na revelação de uma pintura tríptica que compõe a totalidade de nossa jornada.
Do Animal ao Super-Homem, o Divino
"O homem é uma corda que se estende entre o animal e o super-homem — uma corda sobre um abismo. Uma travessia perigosa, uma caminhada perigosa, um olhar para trás perigoso, um estremecer e uma hesitação perigosos. O que há de grandioso no homem é ele ser uma ponte e não um fim." – "Assim Falou Zaratustra", de Friedrich Nietzsche

Essa citação serve como uma introdução perfeita. Se o homem é uma ponte que atravessa o abismo entre o animal e o super-homem, ou o divino, o que é abandonado? E o que esperamos encontrar do outro lado?
Para compreender a natureza animal que foi abandonada, embarcamos na narrativa de Ulisses e do Ciclope, referida na seção "Ulisses caminha das trevas para a luz". Nessa passagem, o nosso herói Ulisses (Grego: Odisseu), liberta-se da caverna escura habitada por um ogro de um olho só, simbolizando um abandono da ignorância. Ele trama essa libertação com engenhosidade e, rastejando com humildade sobre quatro apoios, debaixo de uma ovelha (representando tanto a natureza animal quanto a pureza), finalmente consegue erguer-se à luz.
Quanto à natureza super-humana, abraçada na outra extremidade da ponte, a seção seguinte, "Os Deuses Dentro de Nós", explora como os deuses gregos e construções semelhantes no Yoga atuam como pontes que nos unem com o divino.
A escolha de Nietzsche pelo termo "Übermensch", traduzido frequentemente em português como "super-homem" ou "além-homem", é adequada. Os hindus consideram os Vedas como "aparuruṣeya", ou seja, "não criados por um homem" ou de origem "sobre-humana". Esses textos antigos, os primeiros a mencionar os chakras há mais de 2700 anos, descrevem uma experiência típica em que a energia ascende dos chakras inferiores (associados à natureza animal) para os chakras superiores (conectados ao divino e ao transcendente). O último capítulo nos conduzirá por uma meditação tântrica que visualiza esse movimento ascendente de energia.
Quando afirmei que "a experiência típica com os chakras é a de a energia ascender dos chakras inferiores para os superiores", isso ocorre porque tais vivências podem apresentar certa variação.
Há pessoas que, em determinada fase da vida, não sentiam nenhuma energia ascendendo pela coluna, mas sim a abertura do chakra da cabeça, resultando em experiências como êxtase profundo e sensação de libertação. É possível que tais pessoas nunca tenham praticado a visualização de chakras, mas apenas se ativeram a práticas como prāṇāyāma, mantras e bandhas. Ainda assim, elas vivenciam os chakras nas posições esperadas em seus corpos.
Posteriormente, ao longo de suas vidas, elas podem experimentar a ascensão da energia kuṇḍalinī dos chakras inferiores para os superiores, por vezes acompanhada de uma leve sensação de ardor. Isso pode ocorrer mesmo sem exercícios específicos de visualização da sensação de ardor, como o Tummo. Embora práticas anteriores de visualização dos chakras e energia possam favorecer a experiência, ela continua sendo real, e não apenas fruto da imaginação.
O que torna a citação de Nietzsche ainda mais especial é o fato de ela enxergar o homem como algo inacabado, sempre em desenvolvimento, como um processo (como na metáfora da ponte). Nós abordamos isso no capítulo anterior, "O Caminho da Yoga". Discutimos como o yogi deve evitar prender-se a definições conceituais rígidas de si mesmo, priorizando, em vez disso, uma jornada aberta conduzida por um processo dinâmico e um conjunto de funções em contínuo aperfeiçoamento.
Evidentemente, se houver dúvida entre ler Nietzsche ou os Vedas, eu recomendaria os Vedas mil vezes mais, especialmente para quem trilha o caminho do Yoga. Simplesmente porque os yogis estão do lado da filosofia prática: meditação, trabalho com energias, um modo de vida distinto e uma forma diferente de estar consciente. Mas não surpreende que outros filósofos menos voltados à prática, como Nietzsche, cheguem à mesma conclusão de que o homem é uma ponte, um processo entre esses dois extremos. Atravessemos agora essa ponte.
Ulisses Caminha da Escuridão para a Luz
Para compreender A Odisseia, é importante analisar a mentalidade grega na época em que a obra foi escrita. Para isso, podemos recorrer a um campo de estudo chamado Psicologia Homérica. A psicologia homérica é um campo de estudo voltado à psicologia da cultura grega antiga, no período anterior ao fim da Grécia Micênica, de 1700 a.C. a 1200 a.C., durante os poemas épicos de Homero (especialmente a Ilíada e a Odisseia).
O primeiro estudioso a apresentar uma teoria foi Bruno Snell, em seu livro publicado em alemão de 1953. Ele argumentou que um grego antigo não possuía senso de individualidade, e que a cultura grega posteriormente "autorrealizou" ou "descobriu" o que ele considerava o "intelecto moderno".
Em 1951, Eric Robertson Dodds escreveu que o pensamento grego antigo poderia ter sido irracional (segundo sua própria visão). Ele postulou que os gregos possivelmente reconheciam as ações humanas, mas essas eram atribuídas a influências externas de ordem divina, como deuses e demônios, e não a dinâmicas internas.
Em 1976, Julian Jaynes propôs que a consciência grega emergiu do uso de palavras especiais relacionadas à cognição. Algumas de suas afirmações foram empiricamente corroboradas em um estudo de 2021 pelo psicohistoriador Boban Dedović. O estudo comparou a contagem de palavras de linguagem mental (palavras para a mente) entre 34 versões da Ilíada e da Odisseia. É possível encontrar a maior parte da explicação acima em em Introdução à Psicologia Homérica.
Eis o trabalho de Boban Dedović sobre a expansão da consciência entre os gregos antigos: "A Ilíada e Odisseia de Homero incluem um total de oito palavras que podem ser traduzidas como mente, coração ou espírito: noos (νόος), thymos (θυμός), psykhe (ψυχή), phrenes (φρένες), prapides (πρᾰπῐ́δες), kardia (κᾰρδῐ́ᾱ), kradie (κρᾰδῐ́η), ker (κῆρ) e etor (ἦτορ)." "Os resultados mostraram que a densidade total de palavras de linguagem mental (termos para mente) aumentou significativamente da Ilíada para a Odisseia".
Ironicamente, de oito palavras gregas para mente a apenas três em inglês parece mais um estreitamento do que uma expansão da consciência. Mas foquemos no idioma grego (o sânscrito e o tibetano possuem semelhante riqueza quanto a termos para designar a mente).
A Ilíada e a Odisseia assumiram sua forma atual quando os gregos aprenderam a escrever usando o alfabeto N. Fenício. Antes disso, os gregos comunicavam a história por tradição oral, daí as múltiplas versões da Ilíada e Odisseia (somando 34 versões estudadas ao longo do tempo).
A meu ver, é bastante plausível a tese apresentada na pesquisa acima de que a consciência grega estava em processo de expansão na época da Ilíada e da Odisseia. A prática da escrita amplia a capacidade de reflexão e favorece o desenvolvimento da autoconsciência. Tanto que psicólogos recomendam que seus pacientes mantenham diários.
O uso de pronomes reflexivos no idioma grego também aumentou nesse período, segundo pesquisadores. Pouco depois de a Ilíada e a Odisseia serem passadas para a forma escrita, outros eventos decisivos relacionados à expansão da consciência humana vieram à tona. O que veio depois tornou-se história, literalmente (história escrita). Refiro-me aos Vedas—transmitidos oralmente muito antes—que já falavam dos chakras e ao surgimento do Buddha histórico, que trouxe ensinamentos sobre a iluminação e estados de consciência mais elevados do que aqueles que aprendera com seus próprios mestres. E não nos esqueçamos de Cristo, que surgiu pouco depois e era profundamente consciente.
A história de Ulisses, na qual ele visita a ilha dos ciclopes como parte de sua jornada na Odisseia, pode ser interpretada como uma metáfora para a abertura da consciência. Confesso que jamais encontrei uma interpretação dessa passagem como um caminho para a iluminação, tal como farei a seguir. (Se você conhece interpretações semelhantes, avise-me e eu as citarei na próxima edição do livro!)
Contarei a história de forma resumida. Leia a versão integral gratuitamente online, se desejar.
Polifemo é o gigante de um olho só que vive em uma ilha com outros ciclopes (criaturas de um olho só). Seu nome significa "abundante em canções e lendas", "de muitas vozes" ou "de muita fama". Todas as noites, Polifemo se abriga em uma caverna onde dorme com suas ovelhas.
No épico de Homero, Ulisses desembarca na ilha dos ciclopes durante sua jornada de retorno ao lar. Junto com alguns de seus homens, ele entrou em uma caverna repleta de provisões. Quando o gigante Polifemo retornou à caverna com seu rebanho, ele bloqueou a entrada com uma grande rocha e, desprezando o costume da hospitalidade, comeu dois dos homens. Na manhã seguinte, o gigante matou e comeu mais dois homens e saiu da caverna para pastorear suas ovelhas, bloqueando a entrada com a enorme rocha.
Ulisses ofereceu a Polifemo um vinho forte — não diluído — que recebera anteriormente em sua jornada. Embriagado e desavisado, o gigante perguntou o nome de Ulisses, prometendo-lhe um presente de hospitalidade em troca da resposta. Ulisses disse se chamar “Οὖτις” (Oustis) , que em grego significa “ninguém”, e Polifemo prometeu comer esse “ninguém” por último. Pouco depois, o gigante caiu embriagado em um sono profundo. Nesse ínterim, Ulisses endureceu uma estaca de madeira nas chamas e a cravou no olho de Polifemo.
Na manhã seguinte, o ciclope já cego soltou suas ovelhas para pastar, apalpando-lhes o dorso para garantir que os homens não escapassem. Contudo, Ulisses e seus homens amarram-se sob as ovelhas para conseguir fugir.

A História Interpretada como uma Expansão da Consciência
Na mitologia e na interpretação junguiana dos sonhos, é comum que personagens diferentes representem aspectos distintos da personalidade de uma única pessoa, o sonhador.
A fuga de Ulisses do domínio do Ciclope e sua caminhada em direção à luz poderia ser interpretada como a transcendência de Ulisses de sua própria sombra e ego (o ciclope), culminando em sua iluminação (saída da caverna).
> No épico de Homero, Ulisses desembarca na ilha dos Ciclopes durante sua jornada de retorno ao lar.
Sim, é no retorno ao lar que o indivíduo se ilumina (ou seja, sai da escuridão da caverna e caminha para a luz – veja "retorno ao lar" no penúltimo capítulo).
> Polifemo é o gigante de um olho só que vive em uma ilha com outros ciclopes (criaturas de um olho só).
Uma criatura de um olho pode ser considerada semicega e carece de percepção de profundidade. Um ciclope não enxerga tão bem quanto Ulisses com seus dois olhos.
Na Índia, pinta-se um "terceiro olho" vermelho na testa para simbolizar uma consciência desperta. De qualquer forma, a lógica é "quanto mais olhos, mais consciência". Não importa se são dois olhos em vez de um, como no mito de Ulisses, ou três olhos em vez de dois, como na Índia.
> O nome do ciclope Polifemo significa "de muitas canções ou lendas", "de muitas vozes" ou "de muita fama".
Nome curioso esse, "de muitas canções ou lendas". Uma das minhas definições favoritas de ego é a de ele ser feito das histórias que contamos a nós mesmos. O ego é repleto de narrativas sobre quem eu sou e o que eu prometo fazer. Trata-se de narrativas que moldam a identidade, carregadas de emoções—narrativas pegajosas que permanecem sobrepondo-se umas às outras. Por exemplo, quando ruminamos acontecimentos do passado, tentando de alguma forma corrigi-los, isso geralmente é o ego desejando ajustar a narrativa, e não a consciência tentando enfrentar nossa sombra, desconstruí-la ou integrá-la. Nos dias de hoje, quando uma menina do ensino médio diz que quer ser líder de torcida ou modelo para alcançar popularidade, isso muitas vezes é uma dessas histórias pegajosas.
A designação "de muita fama" do nosso ciclope soa como a tendência da maioria dos egos de busca pelo reconhecimento e por tornar-se "muito famoso".

A tradução do nome do ciclope como aquele que possui "muitas vozes" realmente se assemelha a um grande ego dentro da mente: a voz interna que não silencia durante a meditação. O falatório.
Sempre que me vejo contando alguma história a mim mesmo, ou "desejando ser popular", como diz Śāntideva, sei qual remédio aplicar para evitar a construção de mais identidades. Como dizia meu primeiro professor: "um grande homem sempre acredita ter mais do que merece". Por isso, nada mais de histórias sobre quem eu devo me tornar, o que devo possuir ou algo do tipo. Para mim, basta que eu apenas seja, flua, viva o processo e cruze a ponte.
> Toda noite Polifemo se abriga em uma caverna, onde dorme com suas ovelhas.
Uma caverna, como a de Platão, é símbolo da nossa própria ignorância, que projeta apenas as sombras do que passa diante da entrada. É o nosso estado inconsciente, obscuro e não iluminado.
Portanto, temos aqui uma criatura repleta de histórias, dita famosa, que possui apenas um olho e vive na escuridão. Hmm. Parece uma mente sob domínio do ego, não a mente de yogi liberto.
Para piorar, o ciclope de Homero come pessoas. Um tanto psicopata, talvez? Muito semelhante a pessoas desventuradas que são devoradas pela ignorância do ego antes mesmo de conseguirem se desvencilhar das sombras da caverna.
Essa história do ciclope devorador de homens se assemelha ao "Mahāmudrā Chöd", prática em que você medita sobre sua própria ignorância na forma de um porco gigante comendo seu próprio corpo. No Budismo, porcos simbolizam o veneno da ignorância e o objetivo dessa prática é fazer com que meditador pare de desperdiçar uma vida que é devorada pela ignorância.
No Mahāmudrā Chöd, também é possível meditar sobre a luxúria na forma de um ser lascivo que devora seu corpo físico. O mesmo vale para o ódio. Giorgio Kienerk tem uma pintura que pode inspirar essa meditação. Chama-se Lucifero. Para encontrá-la, basta pesquisar por imagens com as palavras-chave "Lucifero, Giorgio Kienerk".
Talvez você conheça a divindade budista conhecida como Māhakāla, ou o "grande negro". O ciclope de Homero lembra um pouco o Māhakāla em seus primórdios, antes de abrir seu terceiro olho e tornar-se iluminado. Se realizar uma busca por Māhakāla, você verá sua forma negra com o terceiro olho já aberto.
Mas quem sairia dessa caverna? E como sairia? Nosso herói Ulisses tem um plano engenhoso. Seu plano é como um caminho de Yoga, um caminho para chegar à luz.
Ulisses percebe que se ele lutar e matar o ciclope, a tripulação nunca conseguirá mover a pedra da entrada da caverna. Ele precisava de um plano melhor.
É o mesmo com o ego e seu gêmeo inconsciente, a sombra: é melhor não lutar ou reprimi-los. Se o fizermos, eles voltam mais fortes do que nunca, bloqueando qualquer integração e harmonização dos aspectos da nossa mente. Em vez disso, podemos fazer as pazes com "o ciclope da mente" para ganhar o espaço e o tempo necessários para enfrentá-lo.
Ulisses usa o vinho para enganar o gigante ciclope, fazendo-o cair em sono profundo, enquanto ele permanece desperto. Aqui o ciclope simboliza o estado não iluminado de Ulisses.
Ou seja, Ulisses adormece o ego, enquanto ele mesmo permanece presente e consciente. É exatamente como em uma meditação, durante a qual se intensifica silêncio do ego e emerge a presença de uma consciência mais elevada.
Foi exatamente assim que o Buddha alcançou a iluminação por volta de 400 a.C., por meio da meditação, muito antes de as práticas de kuṇḍalinī — que atuam como um atalho para a iluminação—serem desenvolvidas com maior profundidade no século VIII pelos Mahāsiddhas. E foi assim também que Ulisses, muito antes de 400 a.C., saiu da caverna em direção à luz, como se fosse guiado por um estado meditativo e pela ação sutil da energia kuṇḍalinī.
A história diz que Ulisses usou um vinho especial para fazer o ciclope dormir. Para os gregos e muitas outras culturas antigas, o vinho é símbolo de uma transformação mágica da uva em algo etéreo. Os ritos dionisíacos gregos usavam o vinho como símbolo da experiência mística. E não nos esqueçamos de que Dionísio é retratado segurando uma haste (que representa o canal central na kuṇḍalinī) com uma pinha na ponta (a glândula pineal associada ao chakra da cabeça).
Qual transformação o vinho proporciona? O vinho faz com que o Ciclope revele suas verdadeiras intenções e relaxe até adormecer. Todos sabemos que o vinho evoca a verdade do nosso inconsciente; de fato, os romanos diziam: "In vino veritas" ("No vinho, há verdade"). A verdade revelada pelo Ciclope é que ele gosta da oferta de vinho gentil de Ulisses e, por causa disso, ele promete comer Ulisses por último (ele ainda é um ogro, afinal!).
Na minha opinião, esse é o perigo e o potencial da "sombra" de alguém. Por um lado, quando não integrada, ela tem a capacidade de consumir uma vida humana nobre. Por outro lado, a amizade de Ulisses com sua "sombra" é semelhante à libertação compassiva no Yoga.
Com o ciclope embriagado e adormecido, Ulisses perfura o olho único dessa criatura que se assemelha ao ego com uma estaca ou lança de madeira preparada no fogo. Esse ato simboliza a energia ígnea da kuṇḍalinī que sobe pela coluna e dissipa toda a escuridão e cegueira (a maneira egóica de ver com apenas um olho). Quando a kuṇḍalinī atinge o chakra da cabeça, a pessoa torna-se plenamente consciente (conforme discutido neste capítulo); e, ao chegar ao chakra coronário, o indivíduo transcende sua condição (como será abordado no próximo capítulo).

Na imagem acima, vemos o ciclope comedor de homens sentado, embriagado pelo vinho, enquanto Ulisses e sua tripulação perfuram seu olho com uma estaca. Uma serpente aparece paralela à estaca, atingindo a testa do ciclope.
Isso ocorre antes de Ulisses sair da caverna em direção à luz. É o que ocorre antes da iluminação: a energia serpentina da kuṇḍalinī sobe pela coluna através do canal central de energia. Durante sua ascensão, ela perfura os chakras, dissipando a ignorância e a cegueira, e abre o terceiro olho até atingir o chakra coronário. (Observe como a serpente no prato toca a testa do ciclope, simbolizando o Ulisses não iluminado). Quando a energia serpentina ou ígnea da kuṇḍalinī atinge o chakra coronário, a iluminação plena ocorre (conforme será abordado no próximos capítulos).
A comparação acima foi apresentada de forma concisa, em um só parágrafo. Agora, detalharemos passo a passo.
No Budismo, a iluminação é frequentemente retratada como a abertura do chakra coronário, a flor de lótus de mil pétalas. Essa representação não se trata apenas de uma metáfora. Ela ocorre no corpo energético e é sentida e descrita de maneira semelhante por todos que vivenciam esse processo, inclusive em culturas não budistas (ver citação de Śivananda abaixo). Ela começa com a energia ígnea da kuṇḍalinī subindo pelo canal energético central na coluna e perfurando ou abrindo todos os chakras, incluindo os da cabeça e da coroa.
No Yoga, samādhi, ou liberação, é descrito da seguinte maneira: "Quando a kuṇḍalinī é conduzida até o sahasrāra (chakra coronário) e quando se une a Śiva, o samādhi ocorre. O estudante de Yoga bebe o néctar da imortalidade. Ele atingiu a meta. A Mãe Kuṇḍalinī cumpriu agora sua tarefa. Glória à Mãe Kuṇḍalinī! Que Suas bênçãos recaiam sobre todos vocês!" – Sri Swami Śivananda Sarasvatī.
Há três símbolos multiculturais para a kuṇḍalinī: uma coluna de fogo, uma haste e uma serpente enrolada na base da coluna que sobe até a cabeça. Todos os três elementos estão presentes na taça grega, incluindo a serpente e a haste preparada no fogo. Normalmente é assim: quando os antigos queriam que víssemos algo, eles escreviam três ou mais vezes, como quando usamos negrito em um texto. Veremos isso novamente com o selo de Pashupati.
É difícil interpretar a serpente como outra coisa. Por exemplo, não podemos vê-la como um animal que mata com o veneno mais forte, pois o ciclope não morre (o ego também permanece após a iluminação, mas torna-se transparente). Cobras não mordem pessoas na cabeça. Se você teve experiências com a kuṇḍalinī, tudo isso é óbvio. Mas estou argumentando aqui para aqueles que ainda não tiveram essa experiência.
Tanto na Odisseia quanto na taça, o ciclope é cegado. Isso simboliza Ulisses e sua tripulação abandonando uma forma de ver com um só olho, a fim de seguir para a luz, ver melhor e com mais consciência.
Como Ulisses caminha para a luz? Ele se move sobre quatro apoios, sob uma pele de ovelha. A simbologia mais importante aqui é a da ovelha como um animal. Existem milhares de imagens de yogis meditando sobre peles de animais (veado, tigre etc.) Veja por exemplo o retrato de Śivananda no capítulo 1, onde ele se senta sobre uma pele de veado. Isso simboliza o domínio do yogi sobre o lado animal. Na kuṇḍalinī, a energia sexual e animal é muito poderosa e precisa ser domada e direcionada por um fluxo diferente ao longo da coluna. Também é possível argumentar que a ovelha é um animal de rebanho, e que a jornada marítima de Ulisses representa, de fato, um afastamento da mentalidade de rebanho típica daqueles que se enclausuram em casa.
Além de ser um animal, a ovelha é símbolo de pureza. Na verdade, somente aqueles de coração puro conseguem sair da caverna escura e ver a luz. Caros amigos yogis, essa humilde saída pela pele de ovelha é o nosso caminho para a pureza, o nosso trabalho com a sombra e as nossas observâncias (yamas, niyamas etc.). É a pena da história de Maät, onde apenas os corações tão leves quanto uma pena entram no céu (ou saem da caverna, se preferir). É o abandono do ego obscuro de um só olho.
Somente os dotados de humildade, com a cabeça reverente e o corpo prostrado sobre quatro apoios, conseguem ver a luz. Principalmente aqueles que não reivindicam essa caminhada para a luz em seu próprio nome (construindo ego no processo). Os outros são devorados pelo ciclope apelidado como "de muita fama".
Sobre a humildade: "Ocupe o lugar mais baixo e você obterá o mais elevado". – O Yogi Milarepa. "Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos: pois muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos". – Cristo. "É grandioso ser grande, porém, maior ainda é ser humano". – Will Rogers
O ciclope de Homero, que pode simbolizar o ego, promete um presente se Ulisses revelar seu nome. Ulisses resiste à tentação de qualquer presente, de qualquer recompensa por suas conquistas—resiste, sobretudo, à tentação da identificação, oferecida por aquilo que simboliza o ego. Essa desidentificação é o Laya Yoga, o Yoga da Dissolução, que culmina em uma experiência de abertura dos chakras por meio da kuṇḍalinī. Abordaremos mais a respeito no próximos capítulos.
Finalmente, Ulisses (ou ninguém) caminha para a luz com alguns de seus marinheiros. Eles permanecem firmes na luz. Uma palavra final sobre Ulisses: Alguém perguntou a Eckhart Tolle: "Quem se ilumina?" Tolle respondeu: "Ninguém, ninguém se ilumina. É apenas o ego que se torna transparente". Assim, podemos ver o ego pelo que ele é, encará-lo nos olhos e enxergar o covarde que há nele.
Sobre "ninguém", uma resposta ainda melhor seria: "uma ilusão" ou "não sei". O imperador perguntou, "Quem está me encarando?" Bodhidharma respondeu, "Não sei". E, "Quem reconhece que a mente é uma ficção e desprovida de qualquer realidade sabe que sua própria mente nem existe, nem deixa de existir. Os mortais continuam criando a mente, alegando que ela existe. E os arhats continuam negando a mente, alegando que ela não existe. Mas os bodhisattvas e os buddhas nem criam nem negam a mente". – Bodhidharma
Voltemos à citação introdutória de Nietzsche. Se o homem é uma ponte entre o animal e o super-humano, e ao divino, então a história de Ulisses fala justamente de abandonar esse aspecto animal, representado pelo ciclope Polifemo, o ser de um só olho que vive na escuridão.
Mas e quanto à aproximação do outro lado da ponte mencionado por Nietzsche? Ou seja, o super-humano, o lado de luz, o divino? Se você quiser saber mais sobre caminhar em direção à luz, nós chegaremos lá na seção "Os Deuses Dentro de Nós, Os Deuses Por Nós, Os Deuses Contra Nós", e nos próximos capítulos.
Espero sinceramente que essa interpretação da história nos ajude a entrelaçar diversos fios: os conceitos junguianos de Sombra e Ego, Simbologia, Consciência Maior e o Caminhar para a Luz.
Aliás, você pode se surpreender com o quanto os gregos antigos intercambiavam conhecimento com Yoga, Budismo, Śaivismo, Jainismo, Sankhya e Tantra. A esse respeito, veja "Orphism: The Ancient Roots of Green Buddhism" (Orfismo: As Raízes Antigas do Budismo Verde), de Ralph Abraham.
Exercícios
Exercício 1: Tente imaginar-se como “ninguém”, como Ulisses. Essa tentativa gera algum tipo de dor? Onde dói exatamente? Transforme esse “quem” que sente a dor em um “o quê”. Essa dor é real? Você conseguiria viver sem o ego? Ou conseguiria elevar-se acima dele? E, depois, com cada vez menos dele?
Minha resposta ao exercício 1: Minha resposta para esse exercício mudou ao longo dos anos. Por algum tempo, algo doía em mim ao pensar no ego como ninguém, como uma ilusão. Eu desejava ser alguém e me identificar com as coisas que eu fazia. Depois de um período decisivo, isso acabou mudando. Agora, quando penso no ego como ninguém, como vazio e ilusão, isso me traz felicidade, bem-aventurança e leveza. Essa desidentificação melhorou minha capacidade de tomar decisões, evitar vieses, afastar perigos, pensar com clareza, construir um mundo melhor e ser criativo. Meu ser inteiro funciona melhor e com mais produtividade sem precisar cultivar um ego. Expressões de vida floresceram: artigos científicos, projetos de software, relacionamentos e segurança financeira. Tudo melhorou, às vezes mais em termos de qualidade do que quantidade.
Então, quem sou eu, se minha existência não se restringe apenas ao meu corpo ou ego? E mesmo assim, sou consciente deles. Sou uma ponte? Um processo? Uma função? Uma metamorfose em constante mudança que não sabe quem é? Uma flor desabrochando? Exploraremos essa questão no próximo capítulo sobre a consciência.
Aquilo que há de mais iluminador em nós parece ser justamente a capacidade de cultivar humildade e nos reconhecermos como ninguém. Como disse o bem-aventurado Lama Yeshe, "Renúncia, isso é o que importa".
Exercício 2: Você conhece outras histórias de heróis na interface entre luz e sombra, lutando com monstros como o ciclope? Você pode encontrar e ler mais dessas histórias? Matar um dragão em uma caverna? São Jorge matando o dragão? A jornada de Viṣṇu até o Inferno? E quanto a entrar no ventre de uma baleia das profundezas e retornar à luz? Perséfone descendo ao submundo e retornando? Orfeu descendo lá para resgatar Eurídice?
Aqui está o que Joseph Campbell tem a dizer sobre essas histórias, com meus comentários intercalados ou como notas de rodapé: “A primeira etapa na aventura de um herói é deixar o reino da luz, que ele controla e conhece, e mover-se em direção ao limiar.” Pense aqui em Ulisses entrando na caverna sombria para encontrar o ciclope. “E é no limiar que o monstro do abismo vem ao seu encontro.” Pense novamente no Ciclope. Isso se assemelha ao trabalho com a sombra.
"Então há dois ou três desfechos: 1. o herói é despedaçado e desce ao abismo em fragmentos, para depois ser ressuscitado." Isso é semelhante a ser devorado pelo Ciclope ou pela prática do Mahāmudrā Chöd. "2. Ele pode matar o poder do dragão, tal como Siegfried fez ao matar o dragão. Em seguida, ele prova o sangue do dragão e assimila seu poder. A partir de então, ele ouve a canção da natureza." Isso se assemelha a "ouvir a voz da verdade" (como chamarei no próximo capítulo). "Ele transcendeu sua humanidade, voltou a se associar com as forças da natureza, que são as forças da nossa própria vida, das quais nossa mente nos afasta."
"Veja, essa coisa aqui em cima, essa consciência, acha que está comandando tudo. Ela é um órgão secundário; um órgão secundário do ser humano total e não deve se colocar no controle. Ela deve se submeter e servir à humanidade do corpo."
Essa citação acima, também de Joseph Campbell, está relacionada à compaixão corporal e à reconexão com seu corpo e a natureza, o que chamo de "retorno ao estado selvagem", tema abordado no próximo capítulo. Toda essa citação se relaciona ao que já dissemos: "a consciência do ego é um péssimo mestre e um excelente servo". Ela também dialoga com duas orações de motivação, a oração de São Francisco de Assis e o poema ou oração de Śāntideva. Ambas as orações colocam a consciência a serviço da humanidade do corpo — e além: "onde houver trevas, que eu leve tua luz", e assim por diante. Convido você a mergulhar nessas sabedorias que se interligam. Como você pode conectar os pontos como parte deste exercício?
E, por fim, qual é o seu próprio mito nessa interface entre luz e sombra, e o seu próprio ciclope ou dragão na caverna? Como superar essa condição?
Exercício 3: Se você se interessa por simbologia da kuṇḍalinī, recomendo que consulte o site e os artigos de Anne-Marie Wegh. Ela é especialista em simbologia da kuṇḍalinī. Fui inicialmente convencido de que a lança que perfura o olho do ciclope simbolizava a energia kuṇḍalinī. Fui buscar outros autores que acreditassem o mesmo, ou evidências disso. Foi quando encontrei a página de Anne-Marie com a mesma interpretação para a estaca, haste ou lança: https://www.anne-marie.eu/kundalini-symbolen-speer/. Ela conseguiu fundamentar sua explicação com base na taça grega de 560 a.C. que mostra claramente a serpente kuṇḍalinī tocando o chakra da cabeça do ciclope.
Os Deuses Dentro de Nós, Os Deuses Por Nós, Os Deuses Contra Nós
<Esta é a parte 2 deste capítulo e estará disponível no lançamento do livro. Ainda estavamos trabalhando nela no momento da publicação desta página de amostra.>
A história de Ulisses dedica muitas palavras para descrever a fuga da caverna do ciclope. No entanto, a história dedica poucas palavras para descrever a luz fora da caverna. O super-homem, como diz Nietzsche. Ou o divino. Agora, atravessemos em direção ao lado luminoso da ponte. Usaremos mais histórias gregas para manter o tema do capítulo.